Por Franciele Soares
A dissolução da sociedade conjugal traz a imprescindibilidade de fazer a partilha, fase muitas vezes dolorosa, em que aquilo que é conquistado durante a convivência deve ser partilhado, principalmente no regime de comunhão parcial de bens.
O regime de comunhão parcial é aquele aplicado quando o casal não define outro tipo de regime de bens no pacto antenupcial, sendo o mais comum nos casamentos e união estável devido a falta de consultoria jurídica e conhecimento dos nubentes.
No momento do divórcio ou da dissolução da união estável, o conhecimento das normas aplicadas a cada tipo de regime de bens nem sempre é suficiente para evitar conflitos no momento da partilha. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se debruçado sobre uma enorme variação de aspectos pertinentes a respeito do que partilha ou não no regime de comunhão parcial.
Em 2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça se debruçou sobre mais uma controvérsia que existia acerca da partilha de bens em planos de previdência privada, assunto que será explanado neste artigo.
A previdência privada foi instituída no Brasil nos anos 70 com o intuito de complementar o Regime Geral da Previdência Social, possibilitando aos contribuintes uma forma regulamentada, que atualmente é regida pela Lei Complementar 109/2001.
Com o passar do tempo, devido à instabilidade econômica e crise financeira, percebeu-se que o objetivo para a qual a previdência privada foi instituída acabou se transformando. Ao invés de ser uma simples ferramenta de complementação de renda na aposentadoria, os planos de previdência privada passaram a ser utilizados como modalidade de investimento e de planejamento sucessório.
A partilha dos bens em caso de divórcio ou de união estável não tinha um entendimento consolidado nos Tribunais Estaduais, os quais em algumas regiões admitiam a comunicabilidade do valor acumulado pelas contribuições realizadas na previdência privada, haja vista que entendiam tratar de um investimento, outras regiões entendiam pela incomunicabilidade, ou seja, pela impossibilidade de partilha, sob a alegação de se tratar de um seguro ou pensão.
Para decidir pela incomunicabilidade os Tribunais utilizam o artigo 1.659 do Código Civil que estabelece o rol de itens que não são partilhados no caso de divórcio, servindo por analogia para união estável, nestes termos:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Com grande avanço a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu os critérios para definir em quais hipóteses os planos de previdência privada podem ser partilhados.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.698.774/RS, firmou-se a tese de incomunicabilidade dos planos de previdência fechados, mas determinou que, nos planos de previdência privada abertos (conhecidos como VGBL e PGBL), as contribuições realizadas podem ser comunicáveis, a depender do momento em que se encontra o plano.
Quanto a isto, é importante pontuar que há dois momentos diversos nos planos VGBL e PGBL, sendo o primeiro denominado de período de contribuições, no qual as contribuições mensais podem ser resgatadas a qualquer momento, já o segundo momento é referente ao período denominado usufruto, em que finaliza o período de contribuição e, em regra, o participante da previdência privada pode optar pelo recebimento de uma renda mensal ou pelo resgate de todo o valor em um único pagamento.
Nesta feita, entendeu a 3ª Turma do STJ que apenas no segundo momento em que o plano passa a ter natureza de seguro/pensão, sendo o valor acumulado e a renda recebida, torna a previdência e seus valores incomunicáveis e não partilháveis. Entretanto, enquanto disponível a qualquer tempo, os planos teriam natureza de investimento, portanto, comunicável e partilhável.
Em síntese, são dois os fatores decisivos para que seja definida a partilha ou não dos planos de previdência privada: (1) se o plano é fechado ou aberto; e, (2) se há a possibilidade ou não de resgate do valor acumulado. Apenas nos planos de previdência aberta ainda não transformados em renda é que as contribuições seriam partilháveis.
Em conclusão, é importante pontuar que a referida decisão não está uniforme no Superior Tribunal de Justiça, e mesmo diante do grande feito realizado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça com o estabelecimento de critérios para a comunicabilidade, apenas com a análise jurídica feita por um advogado das regras do plano de previdência privada em cada caso é que permitirá determinar se haverá partilha do valor das contribuições realizadas em caso de rompimento da relação.
Por isso, recomenda-se aos nubentes atenção na escolha do regime de bens do casamento ou união estável, bem como cuidado na utilização e fim destinado ao plano de previdência.